
MANAUS – Localizada próxima à confluência entre os rios Negro e Solimões, a capital do Amazonas foi inclusa na rota internacional do tráfico de drogas, ao longo das últimas décadas, ampliando o leque de negociações e distribuição entre narcotraficantes. A inserção de Manaus como ponto de escoamento dos entorpecentes produzidos nos Andes, se tornou uma benção para traficantes, mas logo se demonstraria em uma maldição para quem mora na maior cidade da Amazônia.
Depois de protagonizarem, recentemente, sucessivas execuções, nos bairros Jorge Teixeira e Compensa, as organizações criminosas Comando Vermelho (CV) e a recém-criada Cartel do Norte (CDN) têm moldado a tiros e sangue a disputa pelo controle de bocas de fumo no bairro Coroado, na zona Leste de Manaus.
A escalada da violência na área – com assaltos, abate de rivais e tiroteios – transformou o local no epicentro da disputa pelo poder paralelo da capital. De janeiro a abril, foram registrados seis homicídios na região Coroado. Entretanto, após a eclosão do conflito entre o CV e CDN se espalharem pelas ruas do bairro, a quantidade de mortes violentas, contabilizadas somente na segunda quinzena do mês de maio, já chega a quatro, segundo dados do Instituto Médico Legal (IML).
Especialistas apontam que a posição estratégica do bairro, entre a Zona Leste e a região central de Manaus, tornam o Coroado uma região atrativa para traficantes. Além disso, a área possui vários becos e vielas, que dificultam a realização de operações policiais.
Mortes em série
Em um intervalo de apenas 10 dias, ao menos quatro mortes violentas, cujas principais suspeitas são do conflito entre as duas facções, foram registradas no Coroado. O primeiro homicídio ocorreu na noite do dia 16 de maio. Daniel Aparício Galvão, de 17 anos, foi morto no beco Dois Unidos, com dois tiros na cabeça. Segundo o relato de testemunhas, a vítima tinha ligação com o tráfico de drogas.
Dois dias depois, o jovem Erisson Siqueira da Silva, de 22 anos, foi morto com sete tiros na rua Ouro Preto. No dia 24, outro homem, que ainda não teve o nome divulgado, também foi baleado na região do bairro Coroado.
E na última quarta-feira (26), outra execução, em plena luz do dia, assustou os moradores do bairro. O pintor Alexandro Alves Nogueira, de 25 anos fou surpreendidos por “pistoleiros” e assassinado com três tiros, no beco Jaraqui.
O número de homicídios no bairro poderia ser ainda maior. Na noite do dia 21 de maio, a 11ª Companhia Interativa Comunitária (Cicom)prendeu dois membros do Comando Vermelho, que estariam planejando matar rivais da CDN. Eles foram capturados com armas, coletes balísticos e até granadas.
Vídeo flagra criança soltando as mãos da mãe durante tiroteio
Assustados, os moradores do bairro vivem à sombra da tensão em ter que andar pelas ruas do bairro com medo.
No dia 19 de maio, em plena luz do dia, por volta das 14h, mãe e filha andavam pela avenida Beira Rio, a mais movimentada do Coroado, quando repentinamente, se viram em meio a um fogo cruzado: eram criminosos tentando executar um rival a tiros. Durante os instantes de terror, as duas acabam se separando. Após atirar várias vezes contra o algoz, que fugiu para um igarapé, os dois pistoleiros fugiram da cena do crime.
O episódio, registrado por câmeras de segurança, sintetizou o grave momento em que se encontra um dos mais tradicionais bairros de Manaus.

O medo permanente
No dia 18 de maio, imagens que circulam nas redes sociais mostraram grupos das duas facções pichando as siglas do setor criminoso dos quais são integrantes, no muro de uma quadra poliesportiva, enquanto jovens e crianças jogavam futsal.
“Agora é CDN. O coroado é CDN”, gritam eles. Os bandidos ainda aparecem ameaçando os jovens que estavam na quadra. “Olhem para lá”, ordenam em tom agressivo.
Um segundo vídeo, gravado no mesmo espaço, feito como “direito de resposta”, mostra membros da facção criminosa rival, Comando Vermelho, apagando as pichações e pintando a própria sigla no muro, também usando armas.

Em visita realizada pelo Portal ao bairro, os moradores da área afirmaram que o medo virou um sentimento permanente. “Está muito perigoso. Eu tranco tudo em casa, não tem mais horário para acontecer as coisas, né? Quase todo dia eu escuto barulhos de tiros”, comentou uma aposentada de 74 anos, que não quis se identificar por medo de represália.
Quem também passou por um episódio traumático foi um pedreiro de 54 anos. “Na semana passada, houve um tiroteio na rua da minha casa, os bandidos pularam por cima da casa da minha mãe, que já tem 91 anos. Às vezes, eles avisam nas ruas que não é para sair de casa à noite porque vai ter matança”, relatou.
Conflito no radar da SSP-AM
Publicamente, as autoridades costumam falar pouco sobre a atuação das organizações criminosas na capital do Amazonas, mas pelos corredores da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), os recentes rastros de sangues deixados em bairros como o Coroado, são atribuídos ao fato do Cartel do Norte (CDN), formada em sua maioria por regressos da Família do Norte (FDN), estar disputado pelo controle do tráfico de drogas em áreas, até então, dominadas pelo Comando Vermelho.
“Essa disputa extrema, que culmina em uma sequência absurda de mortes, é motivada porque a CDN decidiu retomar os territórios que já pertenceram às lideranças da FDN. Agora, eles estão atuando contra a CV com o apoio logístico e operacional do Primeiro Comando da Capital (PCC)” explicou, o servidor
A ajuda do PCC pode ser explicada pelo interesse da facção na rota do Solimões, uma das principais entradas de materiais entorpecentes do Brasil.
Por que a briga entre facções desencadeia em tantas mortes violentas?
Segundo Hilton Ferreira, especialista em segurança pública, entre conflitos de organizações criminosas não há nenhum outro meio para impor o poder, a não ser a morte. A força do poder bruto é instituído por organizações criminosas.
“Se você tinha uma facção comandando uma determinada região, mata para invadir a área, mata quem não concorda com os novos líderes, mata por dívidas com o tráfico, mata os soldados que não cumpriram as tarefas, mata para se defender. Então morrem pessoas dos dois lados e a população acaba ficando no meio desse fogo cruzado”, explicou.
De acordo com o especialista, falta política nacional de combate ao narcotráfico e tráfico de armas nas fronteiras com orçamento adequado.
“É primordial uma legislação com penas mais fortes, incluindo o confisco de bens. Também são necessárias ações permanentes nas fronteiras brasileiras, por parte da Polícia Federal (PF). Sem estas ações, muitas cidades brasileiras, incluindo Manaus, recebem toneladas de drogas e armas, com consequências previsíveis, em que o crime organizado avança e as polícias estaduais acabam fazendo apenas o papel de enxugar gelo”, ponderou Hilton Ferreira.
O que diz a SSP
A SSP-AM informou que determinou reforço de operações no bairro Coroado para combater o crime de tráfico de drogas. O órgão informou que há investigações em curso buscando identificar mais pessoas envolvidas com os crimes registrados na região.